(Parte da entrevista realizada ao Prof. Mario Sergio Cortella por Jô
Soares no dia 22/06/08.)
Ética - É o conjunto de valores e princípios que eu e você usamos
para decidir as três grandes questões da vida, que são:
"Quero - Devo - Posso"
Quais são os princípios que usamos em nossas vidas?
- Existem coisas que eu quero mas não devo;
- Existem coisas que eu devo mas não posso;
- Existem coisas que eu posso mas não quero.
Quando é que você tem paz de espírito? Você tem paz de
espírito quando aquilo que você quer é o que você pode e é o que você deve.
Como se define a ética? Através dos modos, através do
exemplo, através de princípios da sociedade, religiosos ou não; através de
normatizações...
Há vinte anos, num auditório, algumas pessoas fumariam e
outras não. Há dez anos haveria uma placa: "É proibido fumar". Hoje
não é mais preciso nenhuma imposição, ninguém fuma por censo comum. Às vezes
isso surge como norma. Quando o cinto de segurança passou a ser obrigatório no
Brasil, tinha gente que até vestia a camisa do time de futebol Vasco da Gama
(que é branca com uma faixa transversal preta) só para enganar o agente da lei,
tal a má vontade em obedecer a essa normatização. Hoje, todo mundo entra no
carro e automaticamente coloca a faixa, sem nem lembrar da multa. - Isso
significa que a ética vai se construindo.
Não existe ninguém "sem ética". O deputado que
frauda, rouba, o falso amigo que mente e engana e o patrão que explora seus
empregados? Esses têm uma ética contrária à ética da maioria. São
"antiéticos". Mas isso ainda é um tipo (deturpado) de ética.
Moral, imoral e amoral.
Amoral é alguém incapaz de decidir, escolher e julgar: uma
criança até determinada idade; um idoso com síndrome de Alzheimer. Um demente
social... Estes são amorais.
Uma pessoa de trinta anos, saudável e consciente, amoral,
não existe. Moral é a prática de uma ética. Ética é a concepção dos princípios
que eu escolho, Moral é a sua prática.
Eu tenho um princípio ético: não me apoderar do que não me
pertence. Meu comportamento moral é se eu roubo ou não. O princípio se traduz
numa moral. Uma pessoa amoral é alguém incapaz de decidir, julgar e avaliar. É
o que a lei chama de "incapaz".
Quem é imoral? Existem pessoas que consideram, por exemplo,
o beijo entre dois homens imoral. - Isso depende da referência de moral da
sociedade e da época relacionadas.
Se eu fosse um grego clássico: Sócrates, o principal
pensador desse período, era casado com Xantipa e tinha um amado, Alcebíades, um
jovem general de 27 anos. Aliás, quando Sócrates morre, está nos braços de
Alcebíades. - Xantipa entende isso, lá no século IV aC, como uma coisa normal
daquela cultura. Hoje, talvez isso não seria entendido como uma coisa tão
perturbadora, mas há 30 anos seria inadmissível.
Isso não quer dizer que a ética é relativa. A moral é que é
relativa. A ética pertence a uma época e a um grupo, mas ela traz sempre a
tentativa de ser universal. - Como as cartas dos Direitos Humanos: há 40 anos
nós estamos discutindo essas questões de 1968. E há 60 anos estamos discutindo
a "Declaração Universal dos Direitos do Homem". São tentativas de se
chegar a uma ética universal, comum a todos os seres humanos: "toda
criança tem que ser respeitada, não pode haver discriminação entre os
povos", etc, etc... Esses princípios devem ser preservados? Se a resposta
for positiva, não podemos dizer que a ética é uma coisa relativa. Existe uma
força muito maior e desconhecida que nos diz que as crianças devem ser
respeitadas, que o preconceito não deve ser tolerado e outros princípios
básicos como esses.
Como isso se traduz na prática? Esta é uma outra percepção.
Praticidade - O prático nem sempre é o certo. Insanidade da nossa época:
uma família que sai de casa no domingo para comer comida caseira! Se isso não é
um sinal de insanidade, o que é? Todo mundo se junta e sai de casa para comer
comida caseira.
Outra mostra de insanidade: nós temos um tecnologia de
comunicação que gerou um nível de “incomunicação” brutal. - As pessoas estão
isoladas, cada uma no seu canto, mergulhadas dentro da tecnologia... O prático
nem sempre é o melhor. - Muitas vezes é só o prático. Exemplos: É mais prático
fazer "caixa 2" do que trabalhar. É mais prático colar na prova do
que ter que estudar.
Querer, Poder, Dever
Quero citar aqui o patrono da cidade de São Paulo, o
apóstolo Paulo de Tarso, dos cristãos. Na primeira carta aos coríntios, ele diz
que "tudo me é lícito, mas nem tudo me convém". Eu posso fazer
qualquer coisa, porque sou livre, mas eu não devo fazer qualquer coisa.
Aliás, os cristãos dizem que Jesus de Nazaré afirmou, e está
lá no Evangelho de Marcos, que "de nada adianta ao homem ganhar o mundo
inteiro, se ele perder a sua alma". - É uma frase fortíssima. Seja você um
homem que tem religião ou não, tanto faz; a frase é forte. Perder a alma pode
ser perder a sua integridade, perder a sua hombridade; é perder a capacidade de
ser honesto, digno... Isto é, perder aquilo que nós não vamos levar e que é a
única que vai ficar ou não: justamente a nossa identidade.
Paulo, antes de ser Paulo, era Saulo, porque havia uma
tradição no judaísmo antigo de que aquele que fosse chamado por Deus mudava seu
nome, renascendo para uma nova vida. "Arão" virou "Aarão".
Saul ou Saulo era o nome anterior de Paulo. "Paulus", em latim,
significa "pequeno". Os romanos tinham o costume de dar nomes segundo
características físicas. - Claudius, de Cláudio, em latim, é "aquele que
manca": daí vêm os termos "claudicar" e "claudicante".
"Mário" vem de Marte, deus romano da guerra. - Paulo ganhou esse
nome, que significa pequeno, para que tivesse humildade.
Ele se converte no novo homem, o "nascido de
novo", no caminho para Damasco, atual Síria, quando cai do cavalo,
literalmente, e no solo têm o que chamou de iluminação. Ali nasceu Paulo, o
Pequeno, o humilde...
Ele ensinou bastante, porque tem gente que acha que para
crescer é preciso diminuir o outro. Uma pessoa humilde é aquela que para
crescer não precisa diminuir o outro. Para as pessoas arrogantes só é possível
se elevar diminuindo alguém. E há pessoas inteligentes que crescem junto com o
outro. Paulo de Tarso conseguiu fazer isso. Mas a noção de pequeno nem sempre
se aplica à humildade.
Encerro com uma frase que eu aprecio intensamente, de um
grande homem da renascença francesa, autor da obra prima "Gargantua e
Pantagruel", entre outras:
"Conheço muitos que não puderam quando deviam, porque não quiseram
quando podiam."
- François Rabelais
Mario Sergio Cortella é filósofo,
mestre e doutor em Educação pela PUC-SP, onde é professor do Departamento de
Teologia e Ciências da Religião e da Pós-Graduação em Educação (Currículo). Foi
secretário municipal de Educação de São Paulo (1991/1992). É autor, entre
outros livros, de A Escola e o Conhecimento: Fundamentos Epistemológicos e Políticos
(Cortez), Nos Labirintos da Moral, com Yves de La Taille (Papirus), Não Espere
pelo Epitáfio, Provocações Filosóficas (Vozes) e Não Nascemos Prontos! (Vozes).
Texto extraído do Blog Práticas
da escrita em sala de aula. Profª Arlete Fonseca de Oliveira
http://praticasescrita.blogspot.com/2010/09/filosofia.html